segunda-feira, dezembro 25, 2006

Sobre os olhos

Tenho uma tese não muito agradável. Física, talvez. Provável motivo dos vivos esquecerem os mortos e provável motivo da mentira ser algo que se mascara, que quando acontece é sempre por trás do inocente.
O motivo são os olhos. Eles são o espelho da alma, dizem. Então temo que tipo de alma as pessoas possam ter. Porque sempre, é incrível, sempre se faz algo sujo por trás. Não entendo e nunca entenderei porquê. Os olhos só confiam no que vêem, são desconfiados ao extremo, são inseguros, generalizadores, estúpidos e maldosos. Não todos, claro (todo o cuidado para não generalizar é pouco). Mas eles são assim, o espelho da alma e a faca que fere corações.
Se as pessoas não possuíssem olhos talvez as relações humanas fossem baseadas em algo mais sincero que não a aparência e o glamour. Não quero perder nunca este sentido tão importante, mas claro, tudo isto é apenas para reflexão. Não reclamo da divina capacidade de olhar. É agradável, prazeroso, automático. Instintivo, e como alguém poderia condenar isso?
Não é nada disso que falo. O problema é muito mais profundo. Quantas vezes já vi pessoas dizendo que tal viagem à África mudou suas vidas? É diferente olhar com os próprios olhos, sentir todo o sofrimento de outrém em pele própria. Mas não deveria ser assim, chega a ser ignorância, inconsciência. Todos sabem da existência de milhares de sofredores, de variados problemas sociais e não fazem absolutamente nada a respeito, chegam a ser frios e desinteressados. Quando olham uma foto de alguém em pele e osso apenas, ou de uma criança implorando comida com os olhos, essas pessoas choram, comovem-se. Comovem-se naquele momento e depois esquecem de novo... Porque as imagens chocantes não estarão mais ao alcance dos olhos. Isto, sim, deve ser condenado. A memória só apaga o que se permite apagar.
O sentir humano é muito mais poderoso do que parece. Pode ir muito além dos que os olhos vêem, se as pessoas se permitissem. Ser sensível consigo mesmo é muito fácil, natural como difusão facilitada. Difícil mesmo é tentar enxergar o outro e suas necessidades. E este enxergar faz-se com olhos invisíveis, os olhos abstratos da sensibilidade.

Nenhum comentário: